sexta-feira, 21 de outubro de 2016

Preparar a Eucaristia - XXX Domingo T.C. - 23-10-2016 - PASSIONISTAS

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1ª Leitura: Sir 35, 15b-17. 20-22a (gr. 12-14.16-18);
Salmo: Sl 33, 2-3. 17-18. 19 e 23;
2ª Leitura: 2 Tim 4, 6-8. 16-18;
Evangelho: Lc 18, 9-14.
“A oração do humilde atravessa as nuvens”

Seguindo a leitura contínua do Evangelho de Lucas deparamo-nos, neste XXX Domingo do Tempo Comum, com mais um texto exclusivo deste evangelista: a parábola do fariseu e do publicano.

É um texto que se insere no caminho de Jesus em direcção a Jerusalém onde fará o dom total de si para a vida do mundo e que pretende ser uma catequese sobre os valores do reino. Neste caso especial, pretende ser uma catequese sobre a maneira como nos colocamos diante de Deus e dos irmãos.

A nossa parábola começa por apresentar duas figuras tipo que eram bem conhecidas na época de Jesus: um fariseu e um publicano.

Os fariseus (separados) eram os membros de uma corrente judaica que teve o seu início no séc II a.c. Como o seu nome indica, os membros deste grupo separavam-se das pessoas que não conheciam ou não queriam conhecer a lei e não se relacionavam com elas. Segundo os fariseus, os preceitos relacionados com a pureza sacerdotal estavam presentes no Antigo Testamento e deviam ser observados também pelos leigos na sua vida diária. Também eram importantes para eles os preceitos que tinham a ver com a observância do sábado e com o pagamento do dízimo. Os fariseus defendiam a importância da prática de certas obras piedosas como o jejum e a esmola para servirem, no juízo final, de contrapeso aos seus pecados. Os fariseus também davam grande importância à ressurreição, à tradição oral e à esperança messiânica. Segundo eles o Messias ainda não tinha aparecido devido ao povo não se preparar na pureza e na santidade para a sua vinda.

Por sua vez, os publicanos eram cobradores de impostos ao serviço de Roma. Como cobradores de impostos eram considerados como os pecadores por excelência porque exploravam os pobres, praticavam a injustiça e não cumpriam as obras da lei. Como o sistema era propício a abusos os publicanos enriqueciam à custa da população e por isso eram mal vistos pela sociedade em geral e eram chamados de pecadores.

Diz-nos o texto que estas duas personagens subiram ao templo para orar. Dirigir-se ao templo para orar é encaminhar-se para Deus, por isso esse caminho é uma ascensão do homem até Deus, até à santidade de Deus que se inclina até nós para nos elevar com Ele. Não somos nós que nos elevamos diante de Deus, é Deus que com a sua graça nos eleva e nos dá à salvação.

No entanto, o fariseu, o homem religioso e irrepreensível por excelência, esqueceu-se desta grande verdade e por isso dirige-se ao templo para se encontrar com Deus com uma atitude menos própria.

O fariseu, como homem religioso que era, queria dirigir uma oração de acção de graças a Deus. No entanto, não era Deus que o fariseu louvava mas era a si próprio que se louvava. A oração do fariseu mais não era que um auto-elogio diante de Deus. O fariseu não louva os benefícios recebidos de Deus mas louva a sua própria bondade, as suas próprias obras e as suas próprias observâncias.

Assim sendo, o homem religioso por excelência mostra que sabe muito pouco do que é a oração e de quem é o Deus a quem se reza.

Por sua vez, o publicano, o pecador por excelência, também dirige uma oração a Deus e esta oração eleva-o porque diz-nos o texto “que este desceu justificado para sua casa”.

A oração do publicano foi escutada e mereceu de Deus a salvação porque se colocou diante de Deus com a atitude certa. Uma atitude de verdade, de reconhecimento da sua fragilidade e de reconhecimento de quem é verdadeiramente Deus.

Na verdade, neste texto também está em jogo a concepção que temos de Deus. O Deus do fariseu era um deus contabilista, um deus que conta as nossas boas obras para nos retribuir, um deus que está obrigado a dar-nos a salvação porque somos irrepreensíveis. Segundo, este esquema a salvação não aparece como algo que nos é dado gratuitamente da parte de Deus mas como uma conquista do homem. Não é Deus que salva o homem mas é o homem que com os seus méritos e virtudes se salva a si mesmo. No entanto, esta doutrina produz segregação e descriminação como nos mostra o evangelho de hoje.

Não se pode negar o valor do Homem, da sua dignidade e das suas capacidades. No entanto, isto não pode terminar na presunção da auto-suficiência que tanta escravização do homem pelo homem produz.

O homem diante de Deus tem de se colocar numa atitude de verdade. E verdade é a humildade de reconhecermos aquilo que somos. Nós não nos precisamos de engrandecer e envaidecer diante de Deus porque é Ele que, com a sua Graça gratuita, nos engrandece e embeleza com o dom da sua salvação.

O pecador voltou justificado a sua casa porque reconhece com verdade e diante de Deus quem é, reconhece a sua realidade de pecado necessitada de compaixão e de salvação. O seu Deus não é o deus dos méritos e o deus comerciante é o Deus gracioso e gratuito que gratuita e graciosamente salva o homem.

O evangelho deste domingo é um convite a pensarmos na imagem que temos de Deus e como nos relacionamos com Ele. Será que a nossa piedade e a nossa oração não se assemelham à do fariseu que exigia de Deus a salvação pelas suas boas obras? O que nos leva a fazer boas obras: o amor a Deus e aos irmãos ou a lógica da recompensa, do toma lá da cá?

Na nossa relação com Deus temos de ser humildes, temos de reconhecer quem somos de verdade com as nossas virtudes mas também com os nossos defeitos. Relacionando-nos com Deus em espírito de verdade e de humildade, Ele não nos humilha como alguns podem temer mas oferece-nos a sua salvação. Como dizia a primeira leitura desta celebração, “a oração do humilde atravessa as nuvens”. A nossa oração deve ser um momento de verdade diante do olhar amoroso de Deus que tudo esclarece e que tudo salva. Que a nossa oração, momento por excelência de comunhão com Deus e com os irmãos, não seja um pretexto de segregação e de exclusão mas algo que nos leve à salvação.

P. Nuno Ventura Martins

missionário passionista

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