Mostrar mensagens com a etiqueta Mesa de Palavras. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta Mesa de Palavras. Mostrar todas as mensagens

sábado, 28 de julho de 2018

"Onde Compraremos o Pão?"

Ouvimos tantas vezes dizer "Deus dá as nozes o quem não tem dentes"...e eu fico a pensar essas nozes, não serão bens espirituais? 
Vamos deliciar-nos aqui? 

"1. O grande texto que forma o Capítulo 6 do Evangelho de João, e que vamos ter a graça de escutar nestes cinco Domingos, pode dividir-se em seis Partes: a primeira Parte, que funciona como Introdução ou preparação do cenário, engloba os vv. 1-4 e apresenta as personagens (Jesus, uma grande multidão, os discípulos), o lugar (na «outra margem do mar da Galileia», na «montanha») e o tempo («estava próxima a Páscoa dos judeus»); a segunda Parte, que se estende pelos vv. 5-15, abre com uma pergunta pedagógica de Jesus dirigida a Filipe («Filipe, onde compraremos pão para que eles comam?»), não corretamente respondida por Filipe e André, mas resolvida por Jesus; a terceira Parte, que compreende os vv. 16-21, mostra-nos os discípulos a atravessar, no escuro, o mar encapelado, e Jesus vindo ao seu encontro caminhando sobre o mar; a quarta Parte, entre os vv. 22-24, apresenta-nos um novo começo, no dia seguinte, mostrando-nos a multidão que nota a ausência de Jesus e parte à sua procura para Cafarnaum; a quinta Parte, que compreende a longa extensão de texto entre os vv. 25-59, traz para a cena a importante discussão, travada entre Jesus e a multidão ou os judeus, sobre o pão vindo do céu; a sexta Parte, que contempla os últimos versículos (vv. 60-71), estende a discussão aos discípulos, mostrando a deserção de muitos (vv. 60-66), em contraponto com a confissão de fé de Pedro (vv. 67-71).

2. Dois Capítulos à frente de João 4, em João 6 (este agrafo de João 4 a João 6 é oportuno e necessário), diz-nos o narrador que Jesus subiu à montanha, que se sentou lá com os seus discípulos, e que uma grande multidão acorria a Jesus (João 6,3 e 5). É nessas circunstâncias que Jesus retoma o tema do alimento. Descendo agora ao nível dos discípulos, Jesus diz a Filipe: «Onde (póthen) compraremos (agorázô) pão para que eles comam?» (João 6,5). De facto, o verbo comprar é corrente nos lábios dos discípulos, mas é estranho na boca de Jesus. No cenário anterior, de Jesus e da Samaritana (João 4), os discípulos passam quase o tempo todo a comprar, enquanto Jesus fala de dar, e dá-se mesmo.

3. Na chamada «primeira multiplicação dos pães», que podemos ler nos Evangelhos de Mateus e de Marcos, Jesus recusa mesmo a solução de comprar (agorázô), avançada pelos discípulos, e propõe a de dar (dídômi) (Mateus 14,15-16; Marcos 6,36-37). Por que será, então, que Jesus fala agora de comprar, ainda para mais conjugando o verbo na 1.ª pessoa do plural, Ele incluído: «Onde compraremos»? Mas a questão não é apenas sobre comprar. É sobre «Onde comprar». Face à lógica da misericórdia, da condivisão e da partilha proposta por Jesus, já os discípulos, céticos, se tinham perguntado: «“De onde” (póthen) poderá alguém saciar estas pessoas de pães num lugar deserto?» (Marcos 8,4). Esse «Onde» (póthen) já tinha sido ouvido em João 1,48, quando Natanael pergunta a JESUS: «“De onde” (póthen) me conheces?». Será também ouvido em João 2,9, em que o narrador nos informa que o chefe-de-mesa «não sabia “de onde” (póthen) era» a água feita vinho. Da mesma forma, Nicodemos também não sabe, acerca do Espírito, «“de onde” (póthen) vem nem para onde vai» (João 3,8). Tal como a mulher samaritana não sabe «“de onde” (póthen) Jesus tira a água viva (João 4,11). E as autoridades de Jerusalém confirmam que, «quando vier o Cristo, ninguém saberá “de onde” (póthen) Ele é» (João 7,27). E, mais à frente, em polémica com os fariseus, Jesus afirma: «Eu sei “de onde” (póthen) venho; vós, porém, não sabeis “de onde” (póthen) venho» (João 8,14). E na cena da cura do cego de nascença, os fariseus acabam por afirmar acerca de Jesus: «Esse não sabemos “de onde” (póthen) é» (João 9,29), ao que o cego curado responde, apontando a cegueira deles: «Isso é espantoso: vós não sabeis “de onde” (póthen) Ele é; e, no entanto, Ele abriu-me os olhos!» (João 9,30). Na narrativa do IV Evangelho, tudo isto conflui para a questão posta por Pilatos: «“De onde” (póthen) és TU?» (João 19,9). E, no Evangelho de Lucas, Isabel também exclama: «“De onde” (póthen) a mim isto: “Que venha a mãe do meu Senhor ter comigo?”» (Lucas 1,43). E, no Evangelho de Marcos, como no de Mateus, os conterrâneos de JESUS, apontando as Suas humildes e bem conhecidas raízes geográficas e familiares que, na mentalidade antiga, determinam a identidade e a capacidade da pessoa, exclamam acerca d’ELE: «“De onde” (póthen) a ESTE estas coisas, e que sabedoria é esta a ESTE dada, e os prodígios que pelas mãos d’ELE vêm?» (Marcos 6,2; cf. Mateus 13,54.56).

4. Retornando à pergunta feita a Filipe: «Onde comparemos pão para que eles comam?» (Jo 6,5), "(Lê mais aqui: IN Mesa de Palavras)

sábado, 21 de julho de 2018

"A nossa unica referência é Jesus"

"1. O Evangelho deste Domingo XVI do Tempo Comum (Marcos 6,30-34) insere-se numa bela sequência de preciosos textos. Importante não perder de vista o fio de ouro (ou de sentido) que entretece os episódios que, com extrema habilidade, Marcos coloca diante dos nossos olhos. Em Marcos 6,1-6, Jesus é rejeitado na sua pátria, prolepse de tudo o que lhe vai acontecer. No episódio seguinte, Marcos 6,7-13, Jesus envia os «Doze» em missão. Envia-os dois a dois, leves, sem nada a que se agarrar ou distrair. A sua única bagagem é o Evangelho. Logo a seguir, em Marcos 6,14-29, é narrada a versão popular do martírio de João Batista, que difere da versão política de Flávio Josefo. Em Marcos 6,30, «os Apóstolos» (hoi apóstolloi) reúnem-se junto de Jesus, e narraram-lhe tudo o que tinham feito e ensinado.
2. De notar, em primeiro lugar, que a missão dos «Doze» aparece premonitoriamente colocada entre a rejeição de Jesus e o martírio de João Batista. Esta leitura sai ainda reforçada se tivermos em conta que o episódio do martírio de João Batista rasga em duas partes a missão dos «Doze», intrometendo-se entre o envio, a partida de junto de Jesus e o anúncio feito pelos «Doze» (Marcos 6,7-13), e o regresso de «os Apóstolos» a Jesus (Marcos 6,30).

3. De notar, em segundo lugar, a permanente referência a Jesus por parte dos «Doze». Na verdade, é Jesus que os envia, e envia-os dois a dois, é d’Ele que partem, é d’Ele que são arautos, mensageiros ou testemunhas, é a Ele que regressam, é a Ele que fazem a «relação» do acontecido.

4. Uma inteligência mais profunda do envio «dois a dois»: não vão em nome próprio, mas são apenas testemunhas daquele que os enviou. E, porque é de testemunho que se trata, para que este seja válido, requer-se a presença de duas ou três testemunhas (cf. Deuteronómio 19,15 e João 8,17). Neste caso, as testemunhas estão vinculadas a Jesus. Mas o vínculo a Jesus sai ainda reforçado neste «dois a dois», se tivermos em conta a palavra de Jesus: «Onde estão dois ou três reunidos em meu nome, ali estou Eu no meio deles» (Mateus 18,20).

5. Esta centralidade de Jesus na vida dos «Doze» está ainda referida no facto de regressarem a Ele e de a Ele apresentarem a «relação» de tudo o que aconteceu. Note-se que não fazem uma «relação» por alto, mas uma «relação» exaustiva: «de tudo». Tudo o que fizeram e ensinaram tinha, na verdade, Jesus como única referência.
6. Depois de noticiado este regresso a Jesus e da menção ao relatório exaustivo da missão, os «Doze» são, pela primeira vez, chamados «os Apóstolos» (hoi apóstoloi) (Marcos 6,30). E Jesus retoma agora a iniciativa, vinculando-os ainda mais, se assim se pode dizer, a si mesmo, convidando-os à comunhão com Ele («Vinde»), separando-os para o efeito da multidão que os apertava (Marcos 6,31). «E partiram na barca para um lugar deserto, à parte» (Marcos 6,32). No Evangelho de Marcos, a «barca» (tò ploîon) demarca um espaço privilegiado que Jesus partilha unicamente com os seus discípulos.

7. Fica-se unicamente pela barca a estreita comunhão de Jesus com os seus discípulos. É mesmo só a comunhão que sai realçada, pois nada nos é dito sobre nenhum particular assunto de conversa. Saídos na barca da pressão da multidão, ei-los que, ao sair da barca, estão de novo no meio da multidão. E o narrador lá está para nos dizer que «Ele viu» (eîden) (Marcos 6,34). É a quinta vez, neste Evangelho, que o narrador nos diz que Jesus viu (Marcos 1,10; 1,16; 1,19; 2,14; 6,34). A primeira vez, «viu» os céus abertos e o Espírito a descer (Marcos 1,10). A segunda vez, «viu» Simão e André (Marcos,1,16). A terceira vez, «viu» Tiago e João (Marcos 1,19). A quarta vez, «viu» Levi (Marcos 2,14). Nestas quatro primeiras vezes, este «ver» de Jesus desencadeia um agir novo e decisivo. Também agora, na quinta vez, o olhar de Jesus abre para uma página de sublime misericórdia, que leva Jesus a reunir e abraçar aquela multidão de ovelhas sem pastor, e a ensiná-las demoradamente, dando resposta plena à preocupação de Moisés no deserto, à entrada da Terra Prometida, pedindo a Deus um novo guia «para que a comunidade do Senhor não seja como um rebanho sem pastor» (Números 27,17). Depois, Jesus repartirá com eles o pão. Mas o grão do espírito precede o grão de trigo."

sábado, 7 de julho de 2018

"De onde és tu"

1. O Evangelho deste Domingo XIV do Tempo Comum (Marcos 6,1-6) enlaça no do Domingo passado (XIII), pondo Jesus a sair de lá (ekeîthen) (Marcos 6,1), isto é, de Cafarnaum, da casa de Jairo (Marcos 5,35-43), e a dirigir-se para a sua pátria (pátris) (Marcos 6,1), ao encontro dos seus familiares e conterrâneos, sendo o sábado e a sinagoga (Marcos 6,2) o natural lugar desse encontro. Esta primeira ida de Jesus à sua pátria fica a marcar também, no Evangelho de Marcos, a última vez que Jesus ensina numa sinagoga (Marcos 1,21.23.29.30; 3,1; 6,2), e também o sábado será mencionado apenas mais uma vez, precisamente na manhã de Páscoa (Marcos 16,1).

2. E, portanto, tudo neste texto, neste encontro, assume um carácter decisivo. Desde logo a escolha do termo «pátria», que carrega consigo um significado mais intenso e mais amplo do que o mais habitual de «povoação». Com esta forma de dizer, este decisivo encontro com Jesus não fica apenas circunscrito a uma pequena região da Galileia, mas prefigura já o encontro de Jesus com o inteiro Israel, e a rejeição que lhe será movida por este. São mesmo já visíveis desde aqui as resistências ao Evangelho radicadas no nosso coração, e que o Quarto Evangelho porá a claro: «Veio para o que era seu, e os seus não o receberam» (João 1,11). Mas também esta última vez a ensinar na sinagoga, e este sábado que aponta para aquele último «passado o sábado» (Marcos 16,1), devem gravar em nós evocações e apelos decisivos. Tudo o que tem sabor a último carrega um particular peso específico.

3. Aventurando-nos um pouco mais dentro do texto, não ficaremos certamente admirados por vermos que estes conterrâneos de Jesus estejam a par das suas humildes e bem conhecidas raízes geográficas e familiares que, na mentalidade antiga, determinam a identidade e a capacidade da pessoa. Notaremos ainda, sem grande espanto, que os conterrâneos de Jesus sabem, em termos anagráficos, muito mais do que o leitor, sobre Jesus: dele sabem indicar a família, a profissão, a residência. O que nos deve espantar, isso sim, é que aqueles conterrâneos de Jesus não saibam dizer «DE ONDE» (póthen) lhe vem aquela sabedoria única e os prodígios que realiza.

4. Às vezes, por termos os olhos tão embrenhados na terra, nas coisas da terra, não conseguimos ver o céu! Veja-se a iluminante cena da cura do cego de nascença (João 9). Em diálogo com o cego curado, os fariseus acabam por afirmar acerca de Jesus: «Esse não sabemos DE ONDE (póthen) é» (João 9,29), ao que o cego curado responde, apontando a cegueira deles: «Isso é “espantoso” (tò thaumastón): vós não sabeis DE ONDE (póthen) Ele é; e, no entanto, Ele abriu-me os olhos!» (João 9,30). Que é como quem diz: só não vê quem não quer! Tal como o cego, e fazendo uso da mesma linguagem, também Jesus “estava espantado” (ethaúmazen) com a falta de fé dos seus conterrâneos (Marcos 6,6). Note-se bem que a falta de fé aqui assinalada não é apenas a negação de Deus. É a rejeição de Jesus em nome de uma errada conceção de Deus. Podemos dizer mesmo: para salvar a honra de Deus. Veja-se bem até onde pode chegar a nossa cegueira!

5. Numa altura em que se continua a falar da «receção» do Concílio II do Vaticano, dado que ainda estamos na esteira da celebração dos 50 anos da sua realização (1962-1965), podemos falar também, com as devidas distâncias, da «receção» de Jesus e do seu Evangelho. O texto diz-nos que os seus conterrâneos não o receberam, não se deixaram atravessar por Ele, pelo Céu que Ele indicava e trazia consigo. Ponte para o próximo Domingo (XV), em que ouviremos o episódio que se segue imediatamente ao de hoje (Marcos 6,7-13). Aí, Jesus enviará os seus Doze Apóstolos, dois a dois, despojados de meios ou de equipamento, para ressaltar bem a importância do Anúncio do Evangelho. Mas a ponte entre os dois textos e respectivos Domingos está em que ouviremos Jesus dizer aos seus Apóstolos: «Qualquer lugar (tópos) que não vos “receba” (déxetai)…». Os livros dizem que, em Marcos, o verbo «receber» (déchomai) está sempre referido a Jesus. Trata-se de «receber», de «acolher» Jesus. É então também fácil ver qual é o «lugar» que não «recebeu» Jesus. Mas o problema é sempre este: e nós?

6. A figura de Ezequiel, profeta frágil, mas que aponta para um «Deus que dá força» (etimologia do seu nome), por 93 vezes interpelado por Deus com a locução «Filho do Homem», é por Deus incumbido da missão difícil de ser sentinela (tsopeh) (Ezequiel 3,17; 33,7) da casa rebelde de Israel, junto do rio Cobar, em Tel ’Abîb (Ezequiel 1,1-3; 3,15), na Babilónia, uma espécie de «pároco dos exilados». Tel ’Abîb significa «colina da primavera» ou das «espigas». É um lugar duro de exílio, mas, porque lembra a primavera, é também um nome carregado de esperança. Os judeus deram este nome significativo a uma das primeiras colónias que fundaram na Palestina, junto da costa Mediterrânica, em finais do século XIX, onde se situa hoje a capital política de Israel. O rio Cobar é um canal de irrigação, hoje chamado Shatt Ennil, que parte do Eufrates para irrigar a cidade de Nippur, onde os Babilónios instalaram deportados oriundos de diferentes proveniências, entre os quais se contam os deportados de Judá. Na sua fragilidade e na rejeição que experimenta, o profeta Ezequiel ajuda a perceber e a «receber» melhor a figura de Jesus, o Deus feito homem, que a si mesmo se diz nos Evangelhos, por 82 vezes, «Filho do Homem».

7. E São Paulo dá testemunho, na Segunda Carta aos Coríntios (12,7-10) da força nova de Cristo, que o habita: «Basta-te a minha graça, pois é na fraqueza que se manifesta a minha força» (2 Coríntios 12,9). E ainda: «Quando sou fraco, então é que sou forte» (2 Coríntios 12,10).
(...)
Mesa de Palavras