O culto das Cinco Chagas do Senhor, isto é, das feridas que recebeu na cruz e manifestou aos Apóstolos depois da Ressurreição, foi impulsionado por S. Bernardo, e encontrou sentida e profunda adesão no povo português, desde os começos da nacionalidade. Luís de Camões, nos Lusíadas, faz eco dessa devoção (I, 7). Prestando culto às Chagas do Redentor, é para Jesus Cristo que se dirige a nossa adoração, para quem nos amou até à morte e morte de cruz (cf. Fl 2, 8). A contemplação das Chagas do Senhor deu particular atenção ao Lado aberto, conduzindo os místicos medievais e posteriores à contemplação do Coração trespassado, a mais viva expressão do seu amor. Essa contemplação move-nos espontaneamente à correspondência, “amor com amor se paga”.
Nas Chagas do Senhor, particularmente na do seu Lado aberto, contemplamos o caminho do amor de Deus até nós e o nosso caminho de amor até Ele. S. Agostinho realça bem este caminho nos seus discursos: "Cristo é a porta. Esta porta foi aberta para ti quando o Seu Lado foi aberto pela lança. Recorda-te do que saiu e escolhe por onde entrar". Percorrendo este caminho de amor, chegamos à devoção ao Coração de Jesus.
Foi este o caminho de Santa Margarida Maria. Desde pequena, teve uma afetuosa devoção à Paixão de Cristo e às cinco Chagas, atraindo particularmente a sua atenção a chaga do Lado. Finalmente, a convite de Jesus, fez a descoberta do Coração, reconhecido como símbolo da Pessoa amante do Redentor.
Foi este, também, o caminho "místico" do Pe. Dehon. No "Ano com o Coração de Jesus", escreve: "O profeta não disse: "Verão Aquele que trespassaram", mas "Voltarão o olhar para dentro d’Aquele que trespassaram" ("Videbunt in quem transfixerunt") (Jo 19, 37 – Vulgata). S. João aplica estas palavras à abertura do Lado de Jesus, ao próprio Coração de Jesus que pôde entrever através da chaga do lado aberto…"
… "Leiamos e voltemos a ler este livro de amor do Coração de Jesus, devoremos este livro de amor que é o próprio amor e, quando ardermos de amor, a nossa oblação será facilmente generosa, pronta, sem cedências". Deste modo, o Pe. Dehon faz eco a S. João: "Hão-de olhar para Aquele que trespassaram" (19, 37); isto não é só uma profecia, é uma exortação, um convite, porque do mistério do Lado aberto (e do Coração Trespassado do Salvador), "nasce o homem de coração novo" (Cst 2-3). "Com S. João, vemos no Lado aberto do Crucificado o sinal do amor que, na doação total de Si mesmo, recria o homem segundo Deus" (Cst 21).
Assim contemplamos o Trespassado, no ato supremo da Redenção, não como os israelitas contemplavam a serpente de bronze, elevada no deserto, para curar as mordeduras das serpentes, mas penetramos na realidade suprema do Seu amor, no Seu Coração trespassado, e acolhemos o seu apelo à oblação, à reparação, à imolação, à consolação, àquele "culto de amor e de reparação que o Seu Coração deseja", que nos torna criaturas de coração novo.
Repete muitas vezes e vive hoje a palavra:
“Meu Senhor e meu Deus!” (Jo 20, 28).